quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Papo de elevador

Já reparou como é chato andar de elevador? Eu sei que não poderia falar isso porque trabalho em uma empresa que fabrica elevadores, mas, sinceramente, são minutos de sua vida jogados fora. Você olha para as pessoas e fala “bom dia”, “boa tarde”, “tudo bem?”, “olá” e fim. Não é legal ficar conversando no elevador. Eu nunca gostei porque todo mundo escuta a sua conversa. Tem gente que não liga. Quando junta um monte de mulher então, socorro. Todas falam ao mesmo tempo e riem (alto). Você mal as conhece, só fala de trivialidades com elas, e tem que ouvi-las falando besteiras. Pior, tem que dar aquela risadinha amarela para não passar por antipática, nem anti-social.

Todos se sentem incomodados em andar neles. Essa, pelo menos, é a minha sensação. Eu torço para que acabe logo. Adoro quando o elevador faz aquele barulho “trim”: chegou! Desço feliz. Volto a respirar normalmente. Quando alguém quer puxar conversa, começa logo falando do tempo. “Será que vai chover”, “ah, tá com cara viu, vi no noticiário que as chances de chuva no fim do dia são de 70%”.

Quando o elevador tem espelho, você pode, pelo menos, dar uma conferida no visual. Dá uma arrumadinha no cabelo, vê se o batom não borrou se a sobrancelha está em ordem. 100% das mulheres fazem isso. Os homens também olham, mas é muito mais rápido.

Dia desses, entrei no elevador do trabalho, de manhã, e estava lá um colega. Ele era gerente, um cara gente boa. Pelo menos até aquele momento. Deu uma olhadela no meu livro. “Como chama?”, perguntou, virando a cabeça para tentar ler o título. “Ah, é o ‘Evangelho Segundo Jesus Cristo’, do Saramago, conhece?”Virei o livro para ele e falei, toda feliz. Ele, então, solta a frase que o fez zerar no meu conceito: “Não sabia que você era evangélica!”

Fiquei olhando para a cara dele. A minha felicidade se esvaiu. Não sabia como responder. Como, um cara que trabalha numa multinacional, não sabe quem é José Saramago? Pensei. Pior! Como, um cara como ele, poderia imaginar que eu era evangélica pelo simples fato de estar lendo um livro que tinha “evangelho” e “Jesus” na capa. Alguém pode me dizer, como? Imagina se eu estivesse lendo Anjos e Demônios do Dan Brown? Ele iria perguntar se eu era exorcista?

Respondi que não. Não era evangélica. Não tinha nem religião, para ser sincera. Disse que, na verdade aquele livro dava uma abordagem bastante humana de Jesus e que o autor criticava Deus o tempo todo por fazer seu filho, sofrer muito, só para que Seu nome ficasse eternizado no mundo.

Ele levantou as sobrancelhas. Nossa, deve ser legal, respondeu. É, é legal sim, respondi. E esse Saramago, é famoso? Nunca ouvi falar dele. Ah não? Ah, um pouquinho, ele é português e ganhou o Prêmio Nobel de Literatura com esse livro em 1998. Tem diversos livros publicados, um deles, o meu favorito, “Ensaio sobre a Cegueira” virou filme. Ah, ouvi falar desse filme, acho que vou ver então. Veja sim.

O elevador fez “trim”, o cara desceu. Balancei a cabeça, tentando esquecer o que aconteceu. Ele nunca ouviu falar do Saramago, penso comigo. Simplesmente o meu maior ídolo. Esqueci de perguntar que livro ele estava lendo. Deveria ser aquele “Quem mexeu no meu queijo” (não sei o nome do autor e nem quero saber). Dou uma risada sarcástica. Ana Paula, você é muito má.

Prefiro falar sobre o tempo. Dá próxima vez, assim que eu entrar no elevador, vou perguntar se vai chover. Desse jeito não tem erro.

4 comentários:

  1. Caso vc estivesse lendo "A revolução dos bichos", com certeza ele ia perguntar se vc era veterinária!!! rsrsrsrsrsrs...
    Texto excelente!!!!

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  2. Ainda bem que por aqui são raros os elevadores... rsrsrs

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  3. Lastimável!!! E eu sei quem é!!! Mas não consigo imaginá-lo te perguntando isso!!!

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