domingo, 18 de janeiro de 2009

Protocolos


Vida de estagiário de direito não é fácil. De advogado é dificil, mas de estagiário é muito pior.

Você vive tendo que resolver problemas mirabolantes. Tem que ir ao fórum protocolar petição às seis da tarde e tem que voar porque o fórum fecha às sete.Tem que engolir sapos dos seus chefes (geralmente estagiário tem mais que um para agüentar) e dos cartorários e todos os tipos de pessoas desagradáveis que trabalham no funcionalismo público (ok, nem todos são mal educados, mas a sua grande maioria é).

Como eu estagiava no tributário de uma grande multinacional, muitas vezes tinha que viajar pelo Brasil afora, para resolver os pepinos.

Protocolo I

Uma vez precisei ir à Itumbiara (GO). Fui até Goiânia de avião e de lá peguei um ônibus até a cidade. Ao chegar na Rodoviária, fazia tanto calor que seria possível fritar um ovo no asfalto. Dei três vivas por ter ido de saia. Tentei avistar um táxi e não consegui. Perguntei a um senhor onde teria um ponto de táxi.

Ele me olhou de cima abaixo e disse: - Olha dona, aqui não tem táxi não. Só mototáxi. Coloquei a mão na cabeça. É hoje, pensei. Como vou andar de moto se estou de saia. Pior, não queria andar de moto com um desconhecido. Ter que colocar um capacete fedido e me equilibrar enquanto o motorista fizesse curvas ou segurar na cintura dele, não me parecia agradável também. Comecei a ficar desesperada. Por que eu não fiz moda, turismo, qualquer coisa, tinha que fazer direito? pensei.

– O senhor sabe onde fica o Posto Fiscal? – Fica a uns três quilômetros daqui. Três quilômetros! Sentei no banco de cimento que estava ao meu lado e, fiquei olhando para o nada, pensando se encarava a pé, no sol, os três quilômetros, ou se ia de mototáxi.

- Quer uma carona? Ouvi de repente. Ele deveria ter uns 40 e poucos anos. Era um coroa boa pinta e parecia bastante simpático. – Como? Retruquei. – Ouvi sua conversa e percebi que você está de saia. Ele sorriu. Eu também. – Pois é, estava pensando como resolver isso. – Vem comigo, é caminho.

Fiquei feliz, ai que bom, resolvido o problema! Enquanto caminhava até o carro, uma dessas caminhonetes altas e bonitas, fiquei imaginando se o cara não estava sendo simpático demais. Ele poderia ser algum tarado, viu que eu era de outra cidade e eu não sabia nada dele. Fiquei com medo. Eu estava muito longe de casa e se me acontecesse algo, não teria muito como me ajudarem. Olhei para a placa do carro, era de outra cidade. Memorizei os números. Imaginei uma manchete no jornal local: “Estudante de direito é encontrada morta próxima da plantação de café, nos limites de Itumbiara”. Gelei.

Acho que o moço percebeu minha apreensão. – Pode entrar, não vou fazer nada com você não, tenho uma filha da sua idade. Pro inferno, pensei. Agora já estou aqui, vou entrar.

Entrei.
- Você é de São Paulo não é? Sou sim, como sabe? Pela desconfiança. Todo paulista é desconfiado. Falou rindo. Ele dirigiu e perguntou o que estava fazendo lá. Contei. Os três quilômetros passaram em cinco minutos. – É ali ó (apontou o dedo). Agradeci a carona. Protocolei as impugnações e voltei a pé até a rodoviária.

Protocolo II

Não lembro nem o nome da cidade. Também ficava no Estado de Goiás, mas muito longe da capital. Eu teria que dormir lá e perderia dois dias de aula. Estava “estourada” no número de faltas em Processo Civil e Processo Penal e não podia faltar nenhuma vez mais.
Os dois professores faziam chamada. Ia pegar duas DPs. O prazo fatal de protocolo era no dia seguinte. Precisava resolver aquilo e rápido.
- Secretaria da Fazenda, bom dia.
– Por favor, o setor de protocolo.
- Um momento.
Ouço uma música de espera enfadonha. Alguns minutos depois, atendem.
- Protocolo
- Bom dia, com quem eu falo?
- Jorge
- Oi Jorge, bom dia. Sou Ana Paula e trabalho aqui em São Paulo na empresa X. Preciso protocolar cinco impugnações de autos de infração lavrados na cidade XPTO e gostaria de saber se seria possível protocolar aí em Goiânia.
- Não, você tem que ir até lá.
- Puxa Jorge, não tem jeito mesmo? Soube que vocês têm um malote que faz a distribuição para as cidades, será que não posso protocolar em Goiânia e vocês enviam por malote para a cidade? Foi um blefe. Imaginei que seria provável o tal malote, mas não tinha certeza.
- Eu preciso voltar logo para São Paulo, por favor, Jorge.
- É você mesma quem vem?
- Sim, sou eu.
- Eu aceito o seu protocolo se você aceitar almoçar comigo.
Senti que o Jorge estava com segundas intenções. Ele queria me levar para almoçar e depois “me almoçar”. Resolvido o problema do protocolo, pensei. Em compensação ganhei outro pior. Teria que lidar com um homem que tentaria me seduzir.
No dia seguinte, fui até Goiânia. Fui ao setor de protocolo. Eram 11 horas. Procurei pelo Jorge. Aparece o dito. Ele era gordinho e da minha altura. Bochechudo. Usava bigodes, óculos e camisa de meia manga azul clara. Não usava aliança. Devia ter uns 30, 35 anos no máximo. Ele me olhou com cara de safado enquanto se aproximava. Não gostei, mas tentei não demonstrar.
- Olá! Você que é a Ana Paula? Falou todo simpático e sorridente.
- Olá, sou eu sim, tudo bem? Vim protocolar as impugnações e...
- Você já sabe não é? Eu protocolo, mas você tem que almoçar comigo.
Respirei fundo. Já tinha bolado algo durante o voo se o cara fosse querer “algo mais”.
- Huuum sabe o que é? Eu tenho que ir ainda na Fazenda Pública e na Federal. Vou ter que comer um lanche rapidinho e fazer o check in no hotel. Você não prefere jantar?
Quando fiz a pergunta, levantei uma das sobrancelhas e sorri de canto de boca. Estava usando meu charme. Vamos ver se ele cairia.
- Jantar? Ele sorriu.
- Sim, vou embora só amanhã de manhã. Tenho que despachar com um juiz e não vou conseguir voltar ainda hoje. Podemos jantar, o que você acha?
Não sei o que passou pela cabeça dele e nem quero saber. O homem estava mesmo empolgado.
- Ótimo, em que hotel você vai ficar?
- No Íbis.
- Ok, que horas eu te pego lá.
- Às oito, respondi.
Ele pegou as impugnações e virou de costas. Respirei fundo. Ele se voltou, com as impugnações nas mãos e me olhou.
- Qual o seu celular?
- Ah sim, anota aí. Falei sorrindo. Ele sorriu de volta
Me entregou as impugnações protocoladas.

Saí da Secretaria da Fazenda. Almocei. Peguei o avião e às oito da noite estava respondendo chamada na aula de Processo Civil em São Paulo.

Percebi que na vida, vale muito mais ter jogo de cintura do que saber de cor qualquer lei ou doutrina.

Dois anos depois, me liga uma colega de trabalho, me perguntando como eu tinha conseguido protocolar as impugnações em Goiânia e não na cidadezinha. Havia sido proferida a decisão nos processos administrativos e agora seria preciso protocolar os recursos.

- Ah, fala com o Jorge do protocolo. Mas, cuidado, ele vai te chamar para sair, eu disse.

No mês seguinte, nos encontramos para um happy hour. Ela disse que tinha falado com o Jorge e ele, muito estúpido, disse que não iria protocolar droga nenhuma. Ela que fosse até a cidadezinha. Pobre Jorge, pensei. Acredita em tudo que ouve.

3 comentários:

  1. Ana, dá mesmo muito medo de pegar carona com estranhos!! Aqui, no interior é um pouco mais susse...
    Agora, esse Jorge me deu até arrepios. Fiquei imaginando as coisas que estavam passando pela cabeça dele enquanto vc propunha o jantar!Nojento!rsrsrsrsrs

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  2. hahahahaha...
    Amei!!
    E fiquei imaginando qual seria a aula de processo ciivl mencionada!!
    E eu como advogada já almocei com um taxista que comia de colher no único restaurante de uma cidade de TO chamada Porto Nacional...
    Pelo menos ele era crente e ficou contando que estava se guardando para o casamento!!!
    rs...
    É cada uma!!
    bj,
    Chamis

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  3. Ta loko! As vezes agradeço a Deus por ser homem! rsrsrs...

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