segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Carta a José Saramago



Caro Zezito,

Me perdoe a ousadia, mas como o senhor freqüenta minha casa há alguns anos e já travamos alguns diálogos, ainda que imaginários, desse modo, o senhor para mim já é praticamente um membro da família.

Desde que o destino trouxe um livro seu até as minhas mãos, desse dia em diante, minha vida nunca mais foi a mesma. Ela mudou sim e muito, e para melhor.

Quando li a primeira página do “Ensaio sobre a Cegueira”, sabia que estava diante de uma obra-prima. Só não sabia que ela me faria questionar tudo o que até então era, para mim, concebido como “realidade”. Ao terminar de lê-lo fiquei um pouco deprimida. Isso mesmo, deprimida e perplexa!

A verdade, quando escancarada em nossa frente, causa dor, e só com a decepção e com a dor é que crescemos. Esse livro me fez abrir os olhos e despertar para coisas que até então estavam no escuro. Eu literalmente passei a enxergar melhor.

Descobri nesse livro um escritor excepcional, mas acima de tudo um humanista, um crítico severo da atual vida que levamos, da realidade brutal em que vivemos.

Depois de Ensaio sobre a Cegueira vieram Ensaio sobre a Lucidez, Intermitências da Morte e o Evangelho Segundo Jesus Cristo. Com esse último ficou claro para mim sua descrença em Deus, mas o que mais me surpreendeu foi a demonstração de que até Deus seria muito egoísta por ter deixado Jesus sofrer e passar por tudo que passou, simplesmente para divulgar seu nome na Terra.

Preciso dizer que fiquei impressionada, pois nunca tinha visto a história de Cristo por essa óptica. O senhor para mim é um gênio.

Foi então que comprei uma dessas revistas especializadas em Literatura que tinha o senhor na capa. Ao ler o seu conteúdo descobri a infância e adolescência muito pobre que o senhor teve em Portugal. Descobri também toda a admiração que o senhor tinha pelos seus avós maternos. Me emocionou sua admiração por eles e por dizer que, mesmo analfabetos, eram muito sábios.

Saber dessas coisas, desses detalhes, fizeram com que toda a admiração que sentia pelo senhor e pelo seu trabalho aumentassem ainda mais. Passei a entender o motivo pelo qual o senhor compreendia o mundo de outra forma.

Só mesmo alguém demasiado humano diria coisas assim: “Se o homem não é capaz de organizar a economia mundial de forma a satisfazer a necessidade de uma humanidade que está a morrer de forme e de tudo, que humanidade é está? Nós, que enchemos a boca com a palavra humanidade, creio que ainda não chegamos a ela, não somos seres humanos. Talvez chegaremos a sê-lo um dia, mas não o somos, falta-nos muitíssimo. O espetáculo do mundo está aí e é de dar calafrios. Vivemos ao lado de tudo que é negativo, como se não tivesse nenhuma importância, a banalização do horror, a banalização da violência, da morte, sobretudo a morte dos outros, é claro. E enquanto a consciência da gente não acordar, isto aqui continuará da mesma forma. Porque muito do que se faz é para manter todos na abulia, na carência de vontade, para diminuir nossa capacidade de intervir civicamente.”

Foi com imensa alegria que descobri sua vinda ao Brasil para divulgar seu último livro, “A viagem do elefante”. Quase não consegui entrar, pois o lugar estava apinhado de gente. Um autógrafo continuou a ser somente um sonho. Mas lhe digo que a emoção de vê-lo de perto e de ouvir suas sábias palavras me deixaram muito emocionada e marcaram, para sempre, minha vida.

Esse fim de semana, fui ver a exposição feita em sua homenagem e lá me emocionei, mais uma vez, com o senhor, com suas obras, mas especialmente, com a sua história de vida. Ao ler as cartas que o senhor escreveu à sua avó, mas principalmente ao seu avô. O fato de doer-lhe na alma o fato de terem sido analfabetos por toda vida e por praticamente não terem saído de Azinhaga e não terem conhecido praticamente nada do mundo em que vivemos, encheu meu coração de ternura.

Ver uma sala com suas obras traduzidas para várias línguas me fizeram cometer um despautério: tirei uma foto disso. Ei-la aqui. Tomei uma bronca do segurança: “Não é permitido tirar fotos senhorita”. A partir de então, eu e meu namorado passamos a ser “os suspeitos” e em todo lugar que íamos éramos perseguidos pelos homens de preto.

Não me arrependo pela foto. Peço desculpas, mais uma vez, mas precisava registrar esse momento tão importante em minha vida.

Tudo isso para dizer que o senhor conseguiu. Saiu de sua vila paupérrima e de sua casa onde possuía somente um livro, para mudar a vida das pessoas, dentre elas, a minha.

Saiba que o senhor é uma das pessoas que mais admiro no mundo. Ainda tenho muitas de suas obras para ler e o farei aos poucos, deleitando-me com as suas palavras que sempre me fazem pensar e a ver as coisas sob uma nova óptica.

Em resumo, essa carta é para lhe dizer o meu muito obrigada. Saber que existem pessoas como o senhor nesse mundo, fazem meu coração se encher de esperança de que é possível sim vivermos num mundo melhor, num mundo de esperança e bondade, ainda que para isso, tenhamos primeiro que aprendermos a enxergar.

Um grande abraço,

Da sua leitora e admiradora,

Ana Paula

PS: Sei que essa carta não está a sua altura, mas saiba que ela foi escrita com grande carinho.

2 comentários:

  1. Olá!

    Convido você a visitar o blog http://inspiracoesmatinais.blogspot.com , ler e comentar o que achou...

    A ser uma seguidora e amiga também... Te espero lá.

    Um grande abraço.

    http://inspiracoesmatinais.blogspot.com

    ResponderExcluir
  2. Nossa Ana que lindas palavras. Eu quis que ele tivesse lido essa carta e guardado teu carinho principalmente no coração. Parabéns por sua senssibilidade e atitude!!

    Abraços, Querida!!!!!

    ResponderExcluir

Related Posts with Thumbnails