terça-feira, 7 de abril de 2009

Misto Quente - Bukowski


Ler, para mim, sempre foi algo mágico. É como se você espiasse do conforto de sua casa, pela fechadura e do outro lado estivesse um mundo cheio de aventuras prestes a serem desvendadas, algo totalmente diferente e novo. A vantagem é que você pode espiar à vontade e aprender com as experiências dos outros. Sua cabeça trabalha e imagina aquilo que seus olhos lêem e você sente, ao ler a última página de um livro, que mais uma pessoa ou mais uma história foi incorporada em sua vida.

Com misto quente não foi diferente. Esse foi meu primeiro livro do Bukowski. O escritor que ficou conhecido como “velho safado” por falar putarias e ser bem direto em relação ao sexo, se mostrou bastante interessante.

A história se passa em Los Angeles, principalmente das décadas de 1920 e 1930, ou seja, o Henry Chinaski, é um alemão que foi morar nos Estados Unidos muito pequeno e passou pelas agruras do capitalismo em crise. Ele viveu e descreve bem essa fase, quando não se encontrava empregos nem mesmo como lavador de pratos.

Chinaski era feio, o autor menciona isso diversas vezes, ele tinha muitas espinhas, não fazia o menor sucesso com as mulheres, e vinha de uma linhagem de bêbados na família. Pelo que me informei sobre o autor, boa parte das características de Chinaski podem ser vistas em Bukowski. Ele, portanto, salpica em seus personagens características pessoais e essa é a graça da história.

Chinaski tem um pai violento e uma mãe omissa. Seu pai não se conforma com sua condição pobre e gosta de manter as aparências perante os vizinhos. De fato, quando ele descreve que o pai vai até o bairro vizinho para pegar os alimentos doados pelo Estado durante a grande crise sem que nenhum conhecido o veja nessa situação, e quando ele vai todo dia trabalhar, quando na verdade não têm nenhum emprego só para manter as aparências, fica claro a necessidade de ostentar algo que ele, de fato, não tem.

A mãe de Chinaski demonstra as donas-de-casa submissas, carentes e dependentes de seus maridos, dentro dos padrões da época. O que achei curioso, no entanto, é que, durante um longo período foi ela quem sustentou a casa trabalhando como doméstica e ainda assim, se submetia às humilhações que seu marido a fazia passar e, em poucos trechos do livro defendeu o filho das surras e humilhações a que foi submetido.

Chinaski tentava ser durão, um cara que não temia nada nem ninguém. Isso parecia importante no ambiente em que vivia. Os alunos das escolas que estudavam se dividiam entre o que batem e os que apanham, e Chinaski tentava sempre se manter no primeiro time. Como nunca recebeu carinho e amor de sua família, tinha grandes problemas de relacionamento. Apesar disso, fica evidente que por trás de sua fama de machão, repousava ali uma pessoa de bom coração. Tanto que ele se tornava amigo de todos os alunos que eram esquisitos ou que possuíam alguma deficiência (um de seus grandes amigos foi o Carequinha, seu apelido vinha do fato de ele não ter, de fato, cabelos).

Chinaski também dizia não gostar muito de estudar, mas durante todo o desenrolar da história cita grandes autores que dizia ler e gostava inclusive de escrever contos. Cursou a faculdade de jornalismo e foi lá que conheceu o seu amigo Becker. A violência dispensada aos seus amigos (eles sempre se socavam, mesmo sem motivo aparente), parece vir das lembranças das surras que tomou durante boa parte de sua vida. E isso parecia demonstrar uma grande carência do personagem principal do livro.

O autor se utiliza de seu personagem para criticar o presidente dos Estados Unidos, a condição econômica de seu país, o sistema de ensino norte-americano, que foi descrito desde o ensino fundamental até a faculdade. Ele critica o sistema de trabalho quando diz: “ (...) a educação também parecia uma armadilha. A pouca educação a que eu tinha me permitido havia me tornado ainda mais desconfiado. O que eram médicos, advogados, cientistas? Apenas homens que tinham permitido que sua liberdade de pensamento e a capacidade de agir como indivíduos lhes fosse retirada.”

Gostei também do final do livro. Na fase adulta, quando Chinaski vai embora de casa e passa a morar em cortiços, o autor novamente descreve um pouco de sua história auto-biográfica de bebedeiras, brigas, jogos e putarias. Putarias essas todas imaginadas, porque o personagem principal se manteve virgem até a última página do livro.

O que mais me chamou atenção, no entanto, foi como Bukowski fala por meio de Chinaski de maneira direta e sem rodeios sobre todas as coisas que considera ridículas e sem importância e que aparentemente todo mundo passa a vida tentando conquistar, ou seja, a realização do sonho americano que naquela época se transformou num pesadelo que parecia impossível de terminar.

: : TRECHO : :
“As pessoas eram limitadas e cuidadosas, todas iguais. E eu teria que viver com esses fodidos pelo resto da minha vida, pensei. Deus, todos eles tinham cus e órgãos sexuais e bocas e sovacos. Cagavam e tagarelavam, e todos eram tão inertes quanto esterco de cavalo” (p.270)

: : FICHA TÉCNICA : :
Misto Quente
BUKOWSKI, Charles
Trad.: Pedro Gonzaga
L&PM, 2008
318 páginas

5 comentários:

  1. Ora ora, me parece uma boa dica de livro. Eu não li nenhum livro desse autor ainda, mas ja havia pre-determinado pelos comentários que deveria lê-lo com cautela (embora ler um livro com pré-conceitos leve a uma leitura mediocrizada). Seu post me fez pensar em lê-lo com a vontade de apreender tudo o que ele traz, e isso é muito bom.
    Parabéns...

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  2. Eu já bebi num bar chamado Bukowski, mas não li o livro.
    Boa dica!
    Beijão!

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  3. Ei Ana, vim retribuir a sua visita e espiar o seu cafofo. Uma graça, amei. Sabe, vir para a Itália é apenas um passo para o meu sonho: conhecer o mundo e as culutras maravilhosas que existem por aí. Já tenho visto coisas maravilhosas e vou que vou.
    Eu amo ler mas aqui são oferecidos mais titulos com narrativa do que diálogo, minha paixao. Vou procurar este que vc falou. Gostei da abordagem do escritor. Uma aparencia tbem valorizada na Bota.

    Bacio

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  4. Ana! Que surpresa boa ver essa crítica aqui, já que eu li o Misto-Quente faz pouco tempo. Acho que não cheguei a te dizer o que achei, a verdade é que fiquei meio deprê lendo o livro. Mas andei recomendando pra algumas pessoas, vale a pena conhecer...
    Beijoca!!

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