segunda-feira, 30 de março de 2009

A Metamorfose, o Processo e Carta ao Pai – Franz Kafka



Foi nessa ordem que tudo começou. Foi exatamente assim que me aproximei da mente de um advogado que se sentiu oprimido durante toda uma vida (e pelo próprio pai).

Quando li a metamorfose, queria saber os detalhes de uma história escatológica que transformava um homem comum numa barata asquerosa e que era rejeitada (ou seria rejeitado?) pela sua família. Também pudera, pensei comigo, tinha ele que tornar-se logo uma barata? Achei que tinha algo errado aí.

Ao terminar de ler o livro, fiquei imaginando o que teria passado pela cabeça do autor para inventar uma ideia tão absurda e repugnante, mas por falta de tempo ou talvez, por preguiça mesmo, não fiz uma pesquisa mais profunda para tirar minhas conclusões.



Resolvi ler o Kafka-advogado. Achei que, como partilhávamos da mesma profissão, sua história em “O processo” me daria as pistas que para digerir o que senti em “A Metamorfose”. Ao ler os comentários do tradutor, no entanto, entrei em êxtase. Meu palpite até então sem fundamento algum, foi confirmado. A barata da metamorfose era a personificação de um sentimento reprimido pelo (brilhante) autor durante toda uma vida. Era ele a personificação da barata (que medo!).


Li “o processo” tendo tais informações como pano de fundo. O livro conta a história de um homem que é acusado de um crime que não se sabe dizer qual, por juízes que não se sabe dizer quem são, e o julgamento ocorre em lugares mais surreais já visitados pela mente humana. A busca do Senhor K. pelas informações esclarecedoras que tentam ser encontradas num labirinto psicológico personificado por casebres são de deixar zonzo.

Além disso, a descrição do fórum, do cartório, no entanto, apesar de surreais e grotescos, me lembraram às idênticas repartições públicas tupiniquins onde ninguém sabe onde está nada, tudo é muito desorganizado, desestruturado, desequilibrado, enfim, a mais completa zona.

O desfecho final de “O Processo”, assim, como o de “A Metamorfose”, me fizeram prender a respiração. Ambos os livros traduzem um sentimento de sofreguidão, embaraço e impotência que deixa qualquer um meio “deprê”. Quando ficavam muito palpáveis tais sentimentos, fechava o livro e fazia algo animado. Me assustava a forma como o autor transmitia o seu “eu” com todo seu sofrer para o papel.

Após algum tempo, criei coragem para ler “Carta ao Pai”. Essa trilogia-não-planejada, na minha (humilde) opinião foi a ordem correta para conhecer um escritor-advogado que deveria, definitivamente, ter visitado um psiquiatra bem conceituado, sem a menor sombra de dúvida!

Não encare isso como ofensa. È na verdade um conselho que daria ao autor, caso ele fosse meu amigo. Tem problemas que conseguimos resolver por nós mesmos. Outros, porém, precisamos de ajuda. O autor deixa claro, por meio de seus livros, que se enquadrava na segunda opção.



Vale dizer que carta ao pai é um desabafo de todo o ressentimento de uma vida que antes era mascarada pelos seus personagens. Teve publicação póstuma. Não deveria ter sido de domínio público. O autor havia solicitado ao seu amigo, Max Brod, que destruísse todos os seus escritos, após a sua morte. Ao invés disso, o amigo fez justamente o contrário.

No fundo, o tal amigo sabia que o autor era um gênio perturbado e que deveria ter (toda) sua obra imortalizada pela publicação. Só assim poderia, uma advogada do século 21 ler e (tentar) entender o que se passava na cabeça de um advogado do século 19.

Problemático? Ele era, mas quem não é? Sarcástico? Também, mas o sarcasmo aqui é sutil, é muito descritivo e nem sempre perceptível. Kafka poderia ser franzino, tímido, com grave sentimento de inferioridade. Mas foram tais características que fizeram eu me apaixonar pela sua obra, até mesmo pela barata (que ele pensava ter) dentro dele.


: : TRECHOS : :
A Metamorfose: “Certa manhã, ao despertar de sonhos intranqüilos, Gregor Samsa, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso. Estava deitado sobre suas costas duras como couraça e, quando levantou um pouco a cabeça viu seu ventre abaulado, marrom, dividido em segmentos arqueados, sobre qual a coberta , prestes a deslizar de vez apenas se mantinha com dificuldade.”
O Processo: “De modo que num sentido rigoroso não existia nenhum advogado reconhecido pela justiça; todos os advogados que atuavam nas esferas judiciais, não eram no fundo, pois, mais do que simples rábulas”
Carta ao Pai: “Aliás, aqui basta recordar coisas ditas anteriormente: eu perdi a autoconfiança, que foi substituída por uma ilimitada consciência de culpa. (Lembrando-me dessa falta de limites, certa vez escrevi acertadamente sobre alguém: ‘Teme que a vergonha sobreviva a ele’.*). Eu não podia sofrer uma súbita metamorfose, ao entrar em contato com outras pessoas, pelo contrário, ficava com consciência de culpa ainda mais profunda em relação a elas, pois, como disse, precisava reparar os danos que, com a minha cumplicidade, você lhes havia causado.”
* Referência à frase final do romance O processo.
: : FICHA TÉCNICA : :
A Metamorfose
KAFKA, Franz
L&PM Pocket, 2001
138 páginas
O processo
KAFKA, Franz
Martin Claret, 2007
258 páginas
Carta ao Pai
KAFKA, Franz
Companhia das Letras, 2007
86 páginas

3 comentários:

  1. Belas leituras. Kafka é sempre uma surpresa, mas poucos o entende pela compexidade do que fala as coisas simples.

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  2. Bã, fiquei curiosa pra ler a carta ao pai.
    metamorfose eu amei e o processo detestei, não consegui entrar na viagem do autor e só reclamei do qt era ridículo ele se deixar envolver naquilo tudo.
    Dã prá mim.
    Talvez mereça uma releitura;

    Beijka

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