quinta-feira, 16 de julho de 2009

A diferença entre ser e o dever-ser

Quando se estuda direito na Universidade você é obrigado a aprender um monte de teoria sobre o Estado, a sociedade, as leis, o ser e o dever-ser.

Então, você aprende um pouco sobre o que os filósofos diziam sobre as teorias que cercam o direito, as diferenças entre o positivismo jurídico e o naturalismo. Nessa hora você já pensa que entrou na faculdade errada, porque quer aprender sobre estelionato, homicídio qualificado e não sobre toda essa papagaiada.

Chego a conclusão que essas matérias introdutórias deveriam ser dadas no fim do curso, quando você já tem um senso crítico maior e consegue entender que o direito está todo interligado e que o Estado Democrático de Direito, só é democrático pela divisão de poderes, que está previsto na Constituição e etc.

Quando eu estava no primeiro ano, ficava pensando nessa frase que me marcou a vida, a diferença entre o ser e o dever-ser. Ela tinha um sentido jurídico, na época, mas hoje, já faz sentido em outros campos da vida também. Quer ver?

A gente aprende quando é criança que temos que ser bonzinhos e obedientes para sermos elogiados e ganharmos presentes. Isso, portanto, é o que devemos ser (o dever-ser). Na prática isso até acontece, mas não com toda essa perfeição que cobravam da gente, afinal ser humano que obedece totalmente o que pai e mãe pede não existe, está para nascer (aqui está o ser que se contrapõe ao dever ser).

Logo, desde sempre sabemos que o dever-ser é sempre hipotético porque dificilmente acontece de verdade, são como teoria e prática, dificilmente se mantém.

Fiquei em dúvida quando estava prestando vestibular se fazia psicologia ou direito. Queria ajudar as pessoas. Optei por direito porque achava que sendo advogada eu conseguiria ajudar muito mais gente do que como psicóloga.

Eis que me formei, me tornei advogada e hoje a única coisa que eu faço é ajudar empresário a recolher menos tributo e ficar cada vez mais rico. Claro que não faço, nem por decreto, o famoso jeitinho, ou seja, não ajudo a sonegar imposto. O meu único consolo é que nosso país é um dos recordistas em arrecadação de tributos. E onde está a contraprestação disso? Se alguém encontrar me avise, pois o que costumo ouvir é que o ensino vai mal, a saúde pior ainda e a previdência então ...

Mas o fato é que o meu dever-ser outrora traçado que antes era ajudar as pessoas passou a ser advogada de empresário. Socorro! Será que eu que me vendi ou apenas amadureci?

Todo aquele idealismo da época da faculdade está escondido dentro de mim, todo o meu dever-ser atualmente se anulou, meu “ser” venceu! Coisa de sistema capitalista diriam alguns. Você descobre que precisa pagar suas contas e que ninguém vai fazer isso por você, daí você trabalha, e quando está trabalhando não consegue ajudar mais ninguém além de você mesma.

Não me dei por vencida, no entanto. Tentei, por dois anos consecutivos, apresentar um projeto de mestrado com tema ligado ao direito tributário, mas focado no desenvolvimento dos direitos fundamentais. Achei que já que na prática não dava, na teoria (ah, a teoria, sempre tão bela, tão perfeita) seria possível.

Não obtive êxito na minha empreitada. Só são escolhidos os trabalhos que tratam sobre planejamento tributário (de preferência que tenham sido elaborados por algum filho de ministro ou com influência de um modo geral).

Vejo que se eu fui corrompida, a grande maioria dos seres humanos também o foi. Vamos todos queimarmos no inferno juntos (se é que existe inferno). O combustível do fogo do inferno será o dinheiro que ganhamos e o diabo vai usar um tridente Dolce Gabbana, com ponta de cristal Swarovski. Sim, porque se a gente é vaidoso, imagina o cabra ruim?

Meu consolo está em quando aparece algum funcionário, desses vestidos com uniforme e unha suja de graxa, pedindo para falar com algum “dotor” e com alguma dúvida jurídica e eu consigo ajudá-lo. Quando consigo esclarecer algum assunto para esse funcionário que não tem condições de contratar um advogado para orientá-lo. Quando percebo a felicidade dele em ter sido recebido e tratado com a dignidade que a nossa Constituição Federal diz que ele deveria ter direito durante toda a sua vida e recebo um aperto de mão efusivo, daí sim, vejo que aquela garota idealista que andava de saia longa, que curtia Janis Joplin e que quis muito estar em Woodstock ainda está viva, esperando, quem sabe um dia, para se tornar o que efetivamente deveria ter sido.

É, quem sabe ...

17 comentários:

  1. Post bacana, Ana! (ó, rimou!)

    A propósito, obrigado pela visita no meu blog.
    Aqui a explicação complementar (respondi a você por lá): Eu ia fazer um blog misturado, ou seja, falando de minhas duas paixões, jogar xadrez e contar causos. Depois ví que ficaria difícil. Deixei o Recanto apenas para o xadrez e criei outro chamado "Minisquências"... que até hoje não tive coragem de botar no ar... quem sabe um dia!

    Beijão, Mário Sérgio

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  2. Bem vinda ao clube dos "meio" frustrados com a profissão! Se te consola, hoje ajudo um bando de agropecuaristas e investidores estrangeiros ficarem cada vez mais ricos às custas do meu suado trabalho jurídico que, por incrível que pareça, ainda levo super a sério apesar de tudo! Mas realmente sempre sonho em ganhar uma grana, tipo uma mega sena ou uma lotomania mesmo, para poder fazer advocacia "pro bono" para gente que realmente precisa, sem ter que me preocupar com minhas contas no fim do mês! Mas no fim das contas, mesmo essa advocacia aqui no Brasil é muito difícil pois como diz Dalmo Dalari no primeiro dia de aula aos estudantes de direito: "no Brasil o único fórum que pobre tem acesso é o criminal e geralmente na condição de réu!" Enfim, realmente não "devia-ser" assim... Ótimo texto! Devia ser publicado em mais lugares!!! srsrsrsrs...taam

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  3. Eu acredito que existem várias pessoas com esse mesmo dilema Ana...

    Pq vc não pensa em algum tipo de trabalho social em horários vagos? Atender e dar auxílio a pessoas com poder aquisitivo baixo.

    Tenho pensado nisso a um tempo e já estou na procura.

    bj

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  4. Entre o nosso idealismo dos tempos de faculdade, e a dura realidade, tem uma distância enorme.
    Também nunca pensei em produzir comerciais de produtos sintéticos, cheios de corantes e aromatizantes, e dizendo ao público que ali está o "verdadeiro" sabor da fruta, com suas vitaminas e tudo o mais! E o consumidor acredita!
    É a vida!
    Bem vinda ao "Clube dos Frustrados", minha amiga!
    Beijãozão!

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  5. Ana, pior sou eu que sou advogada do diabo, quer dizer de banco.
    Alexandra, também já andei procurando um trabalho voluntário, talvez com mulheres vítimas de violência ou moradores de rua, ms ainda não encontrei. Quando achar algum me avise ou quem sabe não montamos uma liga de advogados frustrados empenhados em fazer o bem?
    Beijão para vocês!

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  6. Eu advoguei por 10 anos no Brasil, ajudei muita gente e descobri que o mais importante era me ajudar, porque muita gente chega humildemente, precisando de ajuda, depois quando a gente ajuda, ainda reclama, e se não ajudamos da forma que eles querem, também reclamam, xingam, ... Um dia cansei disso e fui me ajudar e sair desse esquema. Não dá pra ter pena, não dá pra sermos boazinhas com os outros porque o retorno, na maioria das vezes, e por constatacäo, é somente reclamacões e falta de agradecimento. Espero ter ajudado contando um pouquinho da minha experiência.
    Beijo

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  7. acho q essa duvida nao é sua...
    sempre que algum novo sonhador acaba por se enquadrar ao sistema tenta entender se amadureceu ou se vendeu...
    eu também nao sei
    as vezes acho q amadureci
    as vezes acho q me vendi

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  8. O Compartilhando Leituras está fazendo uma discussão, você é contra ou a favor de baixar livros pela internet? Participe da enquete na barra lateral do blog e deixe sua opinião nos comentários, vamos compartilhar essa discussão!

    Obrigada

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  9. Oi Ana! Obrigada pela visita ao La Sorcière! Ri muito do seu comentário, valeu!! Anotei A Vida Sexual de Catherine M como uma de minhas futuras empreitadas!!
    A respeito de seu post, fiquei impressionada em como me identifiquei....desde o começo, quando vc esreveu sobre as aulas de filosofia e vc querendo saber de estelionato! Se dependesse das aulas que tive no primeiro ano da universidade, teria abandonado a odontologia!!
    Mas eu tive um pouco de sorte no caminho....eu tinha um consultório novinho todo grená (!)e atendia os filhos de gerente de bancos, de médicos, enfim....Um dia fui assaltada dentro do consultório, 15 dias depois fui novamente assaltada....fiquei com medo de atender sozinha....fui trabalhar em uma cidadezinha do interior de Saõ Paulo, na prefeitura. Sou coordenadora de saúde bucal há 10 anos e nunca me senti tão realizada, sou muito mais administradora q dentista! Sobrevivi às eleições e aos secretários e faço o que tinha sonhado, só que no coletivo. Ganho menos que ganharia num consultório, mas ganho até que bem...
    Foi muito bom encontrar seu cafofo!!
    Bj

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  10. Pois é, Ana, a vida nos leva por caminhos diferentes do que pensamos...Você perguntou se eu já havia pensado em ser decoradora, é claro que já pensei sim, e adoraria! Mas hoje o que me dá dinheiro é passar o dia atrás de uma mesa de escritório, fazendo cálculos de impostos (aff, também caí nessa!), custos fixos e variáveis, organizando documentos... Minha porção decoradora ficou em dar pitacos nas casas de parentes e amigos. Mas quem sabe? Talvez um dia...

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  11. Eu descobri que estava na faculdade errada quando percebi que gostava muito mais das matérias dos primeiros períodos, como sociologia jurídica. Eu gostava muito mais de Kelsen e Savigny do que de Alexandre Câmara.

    Acavei migrando para História. Ganho menos, mas sou mais feliz.

    bj

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  12. Bah, bom saber que não sou só eu! É tão difícil ser idealista e manter os ideais nesse mundo maluco. Trabalhar no que se gosta é um luxo, que não podemos perder tempo tendo, enquanto tentamos ir atrás desse sonho temos que tocar trablhando no que vier, no que tiver, mesmo cada dia sendo um caos, mesmo detestando, mesmo sabendo que sairemos dali desde o primeiro dia em que colocamos os pés ali, e em meio a esse caos ainda tentar usar o inferno para servir de degrau até chegarmos - se chegarmos- onde quisermos.
    Ana, eu te entendo...mas eu acho que sonhos nunca morrem, e a gente tem que ir indo atrás deles, uma hora os alcançaremos!

    Bjoks.
    Fábio.

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  13. Oi Ana,

    Putz, eu já me senti muito assim, na época em que trabalhei com RH. Mesmo dilema: onde fica meu idealismo, aquela Nana que escolheu ser psicóloga pra ajudar as pessoas que estão sofrendo?
    Quando me senti assim, me lembrei de uma frase que havia ouvido uma vez, de que sabemos que estamos no caminho certo quando estamos contagiados pela energia do entusiasmo. Acho que é nosso principal termômetro.
    Corromper-se, nos dias de hoje, chega a ser quase inevitável, mas sempre há tempo de re-escolher. O que a Alexandra falou é super válido, às vezes conseguimos compensar fazendo alguma coisa voltada para o social. Bem sabemos que o idealismo puro e simples precisa estar atrelado à realidade, não adianta bater o pé e dizer "não faço nada que não queira" - mas sempre existe o meio-termo.
    No meu caso, não consegui encontrar essa dose, larguei o RH e parti pra Clínica mesmo. Não ganho mais tão bem... mas quer saber? Ser feliz e saber que estou fazendo aquilo que queria, o meu plano original, valeu cada centavo e cada Prada que não consigo usar!
    Um beijo pra ti!

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  14. Ana! Estava estudando para minha prova de Filosofia do Direito, então pensei vou me aprofundar mais sobre o que é ser e dever ser. Quando comecei a ler o que você tinha postado, achei super legal a maneira que você explicou e também me motivou a estudar mais essas matérias que na verdade com toda certeza deveriam estar no final do curso. (haha)
    Você com certeza deve ser uma ótima advogada. Tenho certeza disso.
    Tenha uma ótima semana. Beijo! Att. Fernanda.

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  15. Fernanda, fiquei feliz com seu comentário. Que bom que de certa forma ajudei você. Tenho certeza que você será uma ótima advogada.
    Beijo grande,
    Ana

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  16. Uns poucos idealistas na historia da humanidade conseguiram sobreviver ao "amadurecimento" e "remar contra a maré"...

    É preciso muito coragem para fazê-lo!
    Geralmente os que a tem são pessoas muito a frente do seu tempo mas apenas tem seu valor reconhecido bem depois de sua morte.

    o meu professor de Introduçao ao Estudo do Direito, Humberto Luiz, diz que se quizermos mudar o sistema temos que entrar nele, fazer parte dele...

    Ótimo blog.

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